
Ferramentas virtuais ajudam igrejas a acompanhar fiéis, mas é preciso cuidado para os riscos de vínculos superficiais e equilíbrio entre o on-line e o presencial
Por Patricia Scott
O avanço da tecnologia transformou a forma como as pessoas se comunicam, aprendem e se relacionam. Nesse cenário, o discipulado cristão, que desde os tempos bíblicos sempre foi marcado pela convivência próxima e pelo “andar junto”, também encontra novas formas de expressão e de alcance.
Assim, em meio à correria da vida moderna e à crescente dificuldade de muitos crentes em participar de cultos presenciais durante a semana, igrejas têm recorrido cada vez mais às ferramentas digitais para manter o discipulado ativo.
A pedagoga Elvira Scatamburgo, professora da classe das irmãs do Círculo de Oração da Escola Bíblica Dominical da Assembleia de Deus – Ministério Vale das Virtudes, em Taboão da Serra (SP), defende que a tecnologia pode ser uma forte aliada na missão da comunidade. “Estamos na era digital, e o discipulado online ajuda muito nesse contexto”, afirma.
Segundo a educadora, o modelo virtual amplia o alcance e oferece vantagens como: acessibilidade a quem vive em regiões distantes ou sem presença cristã; flexibilidade de horários, permitindo encontros adaptados à rotina. Além disso, acompanhamento personalizado por meio de ferramentas digitais; integração gradual, funcionando como porta de entrada para conexões presenciais.
Na visão de Elvira, o ambiente digital também traz benefícios sob a ótica da psicologia cristã. Pessoas que enfrentam barreiras emocionais ou não se sentem à vontade em grupos presenciais encontram segurança e acolhimento ao compartilhar suas lutas em plataformas online. “Muitos se sentem mais confortáveis em ambientes digitais, e isso reduz o isolamento, promove vínculos e permite apoio em tempo real”, explica.
Nesse sentido, as redes sociais, segundo a pedagoga, têm papel decisivo no processo. Elas permitem acolhimento inicial, manutenção de vínculos, cuidado pastoral em tempo real e estímulo à comunhão. “Apascenta as minhas ovelhas”, cita Elvira, lembrando as palavras de Jesus em João 21.17 para reafirmar a importância de um discipulado virtual aprofundado.

Apesar das vantagens, a pedagoga alerta para o risco de o discipulado digital tornar-se impessoal. “Não pode ser algo robotizado”, ressalta. Por isso, ela defende práticas como relacionamento intencional entre discipulador e discípulo; mentoria individualizada com conversas pessoais; oração nominal pelos acompanhados; vivência prática do Evangelho, com desafios semanais.
Elvira lembra que o mandamento de Jesus em Mateus 28.19 vai além da transmissão de conteúdos. “Fazer discípulos significa formar caráter cristão. Essa essência precisa ser preservada, mesmo no digital”, pontua.
A especialista também adverte para a importância de respeitar limites: garantir confidencialidade nas conversas; evitar exposição forçada de novos convertidos; valorizar sempre a presença física, lembrando que o online é complemento, não substituto. “Apascentai o rebanho de Deus, não por força, mas voluntariamente”, recorda, citando 1 Pedro 5.2. “O discipulado digital deve ser convite, não imposição”.
Diversas iniciativas têm mostrado resultados expressivos. O LIFE15, ferramenta digital para acompanhamento de novos convertidos, já ajudou a Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) de Campina Grande (PB) a alcançar retenção de 87% dos discipulados após três meses, com mais de 1.200 novos membros integrados em um ano.
Já a Igreja da Cidade, em São José dos Campos (SP), desenvolveu o IC Online, com cursos, discipulado e pequenos grupos virtuais. Outras denominações têm investido em aplicativos próprios para aproximar ainda mais membros e liderança.
Aliado no acompanhamento espiritual
A expansão do uso de tecnologias digitais tem modificado a forma como as igrejas brasileiras conduzem o discipulado e a Escola Bíblica Dominical. Para a pedagoga Sueli Muniz Piauí, professora de adolescentes na Escola Bíblica Dominical, recursos como WhatsApp, Google Meet, Microsoft Teams, Zoom, LIFE15 e aplicativos próprios das igrejas representam importantes aliados na comunicação e no acompanhamento espiritual.

No entanto, a educadora faz uma ressalva: essas ferramentas não podem substituir a vivência comunitária. “As plataformas digitais facilitam a comunicação e podem complementar os vínculos, mas jamais substituirão os encontros presenciais, que são fundamentais para estreitar laços afetivos, gerar confiança e fortalecer a comunhão”, comenta. Ela frisa o texto de Atos 2.42, que destaca a perseverança da Igreja Primitiva na doutrina, na comunhão e nas orações.
Segundo Sueli, o discipulado virtual traz desafios relevantes. Um deles é evitar que os relacionamentos se tornem artificiais. Outro é garantir que cada discípulo seja acompanhado de maneira pessoal. “Se um líder tem centenas de discípulos apenas online, é impossível acompanhar de perto cada história. Muitos acabam se sentindo invisíveis, mesmo participando de grupos virtuais”, alerta.
A pedagoga cita Eclesiastes 4.9-10 para reforçar a importância da presença: “É melhor haver dois do que um, porque duas pessoas trabalhando juntas podem ganhar muito mais. Se uma delas cai, a outra a ajuda a se levantar”.
Estudo e oração
Para manter a profundidade do discipulado, Sueli defende a criação de rotinas de estudo e oração. “Isso já é desafiador para crentes firmes, e ainda mais para quem está em discipulado. Mas quando há sede de Deus, a prática se torna possível”, explica.
Entre as propostas, ela sugere: chamadas de vídeo e mensagens privadas para aconselhamento e oração individual; horários fixos de oração compartilhada em plataformas como Zoom ou WhatsApp; ambientes virtuais seguros para confissão, intercessão e louvor; aplicação prática da Palavra, mostrando como vivê-la no cotidiano.
“O rebanho precisa ser pastoreado com atenção, não apenas supervisionado por videochamadas”, finaliza Sueli.
Fonte: Portal Comunhão