
Querida leitora,
Se você leu minha coluna anterior e se identificou com os 5 sinais de relacionamento abusivo, provavelmente uma pergunta não sai da sua cabeça: “Como eu, uma mulher inteligente, não vi isso antes? Como deixei isso acontecer comigo?”
Essa pergunta me quebra o coração toda vez que a ouço no consultório. Porque por trás dela existe uma culpa devastadora que não deveria existir. Hoje, vou te mostrar o que a neurociência e a psicologia descobriram sobre isso. E garanto: depois desta leitura, você nunca mais vai se culpar.
O Cérebro Apaixonado é um Cérebro “Sequestrado”
Vamos começar com uma verdade científica que vai te surpreender: quando estamos apaixonadas, nosso cérebro funciona de forma similar ao de uma pessoa viciada em drogas. Não estou exagerando. Estudos de neuroimagem mostram que o amor ativa as mesmas áreas cerebrais que a cocaína.
A dopamina, o neurotransmissor do prazer, inunda nosso sistema. E sabe o que isso significa? Que nossa capacidade de julgamento fica literalmente comprometida. O córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões racionais, fica em segundo plano.
Traduzindo: Você não “escolheu” ignorar os sinais. Seu cérebro estava biologicamente programado para isso.
O Ciclo Vicioso da Intermitência
Agora vem a parte mais cruel: relacionamentos abusivos funcionam como o jogo do tigrinho. Você sabe por que as pessoas ficam viciadas? Porque a recompensa não vem sempre, mas quando vem, é intensa.
No relacionamento tóxico, é exatamente isso que acontece. Ele não é cruel o tempo todo. Se fosse, você sairia correndo no primeiro dia. Mas ele alterna momentos de carinho intenso com períodos de frieza ou agressividade. Essa intermitência cria um vício emocional poderoso.
Seu cérebro fica constantemente esperando pelo próximo “prêmio” – o próximo momento de afeto. E quando ele vem, a sensação de alívio é tão grande que você esquece temporariamente todo o sofrimento.
A Erosão Silenciosa da Autoestima
Aqui está outro mecanismo cruel: a violência psicológica não acontece de uma vez. Ela é como uma goteira que, gota a gota, vai minando sua confiança.
No início, eram “brincadeirinhas” sobre sua aparência. Depois, comentários sobre sua inteligência. Aos poucos, críticas sobre seus amigos, sua família, suas escolhas. Cada gota sozinha parece inofensiva, mas o efeito acumulativo é devastador.
Quando você percebe, sua autoestima está tão baixa que você realmente acredita que “merece” o tratamento que recebe. Que ninguém mais te amaria. Que você é “difícil demais” ou “problemática demais”.
O Trauma que Confunde a Mente
E tem mais: o trauma repetido cria um estado de hipervigilância constante. Seu sistema nervoso fica sempre em alerta, tentando prever e evitar a próxima “explosão”. Isso consome uma energia mental enorme.
Resultado? Você fica exausta, confusa, com dificuldade para pensar com clareza. Não é preguiça mental ou burrice. É seu cérebro tentando sobreviver a um ambiente de estresse crônico.
Você Não Está Sozinha Nessa Estatística
Sabe quantas mulheres passam por isso? Uma em cada três, segundo a OMS. Isso inclui médicas, advogadas, professoras, empresárias, artistas. Mulheres brilhantes, bem-sucedidas, admiradas.
A violência doméstica não escolhe classe social, nível de educação ou QI. Ela é democrática na sua crueldade.
A Boa Notícia: O Cérebro Pode Se Curar
Mas aqui está a melhor parte de tudo isso: o cérebro tem uma capacidade incrível de se regenerar. Chama-se neuroplasticidade. Isso significa que os padrões neurais criados pelo trauma podem ser revertidos.
Com o tempo, terapia adequada e um ambiente seguro, você pode literalmente “retreinar” seu cérebro para funcionar de forma saudável novamente. Sua capacidade de julgamento volta. Sua autoestima se reconstrói. Sua confiança renasce.
O Primeiro Passo é Parar de Se Culpar
Então, querida leitora, se você está se culpando por ter “permitido” que isso acontecesse, pare agora mesmo. Você não permitiu nada. Você foi vítima de um processo psicológico complexo que pode acontecer com qualquer pessoa.
Sua inteligência não falhou. Seu coração não é “burro”. Você simplesmente foi exposta a uma forma de manipulação que explora vulnerabilidades humanas universais.
Na próxima coluna, vamos falar sobre como explicar isso para sua família e amigos – porque eles também precisam entender que a culpa nunca foi sua.
Até lá, seja gentil consigo mesma. Você merece compreensão, não julgamento. Especialmente o seu próprio.
**RECURSOS DESTA SEMANA:**
– Ligue 180 para orientação gratuita e sigilosa
– Procure o CVV (188) se precisar de apoio emocional imediato
– Baixe o app “PenhaS” para emergências discretas


















