quinta-feira, junho 19

“Pastores precisam de um olhar integral sobre sua saúde”, afirma pastora e psicóloga

Cuidar da saúde integral dos pastores e de suas famílias é essencial para o bem-estar da igreja como um todo – Foto: Freepik

Desgaste emocional, sobrecarga e isolamento silencioso desafiam a saúde integral de líderes espirituais e suas casas, pedindo atenção das igrejas e da comunidade cristã

Por Patrícia Esteves

Nas últimas décadas, o ministério pastoral passou por muitas transformações, não apenas em função das novas exigências sociais, mas também por causa de mudanças internas à vida da igreja. Multiplicaram-se as agendas, as demandas emocionais e a complexidade das relações, enquanto a atenção ao bem-estar dos próprios líderes nem sempre acompanhou esse ritmo. No ambiente eclesiástico, espera-se frequentemente que o pastor ou a pastora estejam sempre disponíveis, emocionalmente estáveis e espiritualmente fortes. A realidade, no entanto, é mais complexa.

Quem se dedica à condução espiritual de uma comunidade vive, muitas vezes, em estado permanente de alerta e doação. Em meio a orações, aconselhamentos, crises familiares e decisões administrativas, pode faltar espaço para que o próprio líder reconheça e cuide de suas vulnerabilidades. O desgaste se acumula em áreas distintas, no corpo, mente, fé e vínculos. Com o tempo, isso afeta não só a saúde pessoal, mas também o ambiente comunitário.

– Publicidade –

Essa percepção levou a pastora, missionária e psicóloga Magali Leoto, fundadora do ministério Fortalecendo a Família, a dedicar-se ao cuidado intencional com pastores, missionários e suas famílias. Com seu esposo Sérgio Leoto, ela atua há mais de 40 anos no aconselhamento de líderes cristãos, tendo como base a missão Sepal (Servindo aos Pastores e Líderes), presente no Brasil e conectada à rede global One Challenge International.

“Nosso foco mudou. Antes, organizávamos congressos com dois mil pastores. Agora, realizamos retiros espirituais com trinta líderes, voltados para a saúde integral”, conta. A mudança de estratégia reflete uma convicção crescente dentro do ministério, de que não é possível sustentar comunidades saudáveis quando seus líderes estão adoecidos, mesmo que não demonstrem.

Cuidado que começa em casa

A atenção à saúde mental dos pastores, segundo Magali, passa também pelo contexto familiar. “Somos uma só carne. Quando o pastor sofre, a família sofre também”, afirma. A missão Sepal hoje mantém uma coordenação específica voltada ao cuidado integral do missionário, com retiros anuais, atendimento psicológico e programas de suporte emocional.

Com formação em psicologia e atuação clínica, Magali destaca que um dos aspectos mais críticos enfrentados atualmente é o enfraquecimento dos relacionamentos interpessoais. “Essa tem sido uma das áreas mais afetadas. Os vínculos estão fragilizados, e isso reflete tanto nas famílias quanto nas igrejas”, disse. Segundo ela, é preciso reconhecer que o sofrimento emocional também faz parte da vida espiritual e que não basta espiritualizar tudo.

LEIA MAIS

Lula e Interpol firmam acordoPresidente assina acordo de cooperação com a Interpol na França, antes de retornar ao Brasil a parceria visa fortalecer ações contra o crime

Governo colombiano oferece recompensa por atentadoUS$ 730 mil por informações sobre mandantes do atentado contra senador Uribe

Essa visão desafia uma cultura que, durante anos, minimizou ou ignorou o sofrimento psíquico dos que exercem liderança. “A gente viu que só mandar o irmão embora com uma oração e um versículo não basta mais. A sociedade está adoecendo. O ser humano está doente”, lamenta.

Entre realidade e fantasia

Magali também chama atenção para sinais de um desequilíbrio mais amplo na sociedade. Com olhar atento às mudanças culturais, ela observa o surgimento de fenômenos como os “terrians” (pessoas que se identificam como animais) e mães que disputam vaga no SUS para seus bebês de brinquedo, os chamados “reborns”. Para ela, esses comportamentos não são apenas excentricidades, mas indicativos de uma desconexão crescente com a realidade, em que faltam referências consistentes sobre identidade, limites e propósito.

Esse cenário complexo, segundo a missionária, exige que a igreja volte a ser um espaço de acolhimento, escuta e reconstrução, inclusive para seus próprios líderes. “A saúde mental não diz respeito apenas à mente. É o bem-estar integral da pessoa, em todas as áreas da vida”.

Retiros, vínculos e esperança

A resposta do ministério tem sido criar ambientes seguros, nos quais pastores e missionários possam parar, refletir e, sobretudo, serem cuidados. Os retiros promovidos pela Sepal, por exemplo, acontecem regularmente no Brasil e em outros países onde a organização atua. Em julho, haverá um encontro exclusivo para missionários. O objetivo é oferecer um tempo de restauração, fora das pressões cotidianas.

“Pastores precisam de um olhar integral sobre sua saúde”, afirma pastora e psicóloga
Sergio Leoto e Magali Leoto são missionários da SEPAL, que atualmente está alterando sua forma de atuação para aproximar-se mais ainda dos pastores – Foto: Acervo Pessoal

Magali também mantém projetos voltados à saúde mental de mulheres, especialmente esposas de pastores. “São muitas as que vivem sobrecarregadas, sentindo que não podem fraquejar. Mas elas também precisam ser vistas”, afirma.

Esse tipo de iniciativa busca oferecer caminhos práticos para algo que muitas vezes é apenas discursado nos púlpitos, do cuidado mútuo. “Sem palavra, o povo se corrompe”, lembra Magali, citando Provérbios 29.18. “Mas não é só a palavra falada, é a palavra vivida”.

O cuidado dos líderes espirituais não pode mais ser adiado, segundo Magali. O investimento na saúde integral dos pastores, e de suas famílias, não é luxo nem benefício, é necessidade vital para a continuidade de comunidades saudáveis. Em vez de discursos sobre força, talvez seja hora de criar espaços onde o cansaço possa ser reconhecido, onde os vínculos possam ser restaurados e onde o amor, mais do que um tema, seja prática.

Receba notícias exclusivas no seu WhatsApp

Contéudos especiais no seu email. Receba hoje!

Matéria anterior

IA na Igreja: Desafios e Oportunidades

Próxima Matéria

Governo irá enviar uma MP sobre o IOF para aumentar arrecadação

Compartilhe

– Publicidade –

Matérias relacionadas

Craque da Seleção, Lucas Paquetá é batizado no último domingo, assista!

VocDay mobilizará jovens vocacionados em três estados neste sábado (14)

EUA aprova lei que exclui homens trans de equipes femininas nos esportes

Especialista alerta sobre golpes em pacotes de turismo vendidos na internet

Cuidar da saúde integral dos pastores e de suas famílias é essencial para o bem-estar da igreja como um todo – Foto: Freepik

Desgaste emocional, sobrecarga e isolamento silencioso desafiam a saúde integral de líderes espirituais e suas casas, pedindo atenção das igrejas e da comunidade cristã

Por Patrícia Esteves

Nas últimas décadas, o ministério pastoral passou por muitas transformações, não apenas em função das novas exigências sociais, mas também por causa de mudanças internas à vida da igreja. Multiplicaram-se as agendas, as demandas emocionais e a complexidade das relações, enquanto a atenção ao bem-estar dos próprios líderes nem sempre acompanhou esse ritmo. No ambiente eclesiástico, espera-se frequentemente que o pastor ou a pastora estejam sempre disponíveis, emocionalmente estáveis e espiritualmente fortes. A realidade, no entanto, é mais complexa.

Quem se dedica à condução espiritual de uma comunidade vive, muitas vezes, em estado permanente de alerta e doação. Em meio a orações, aconselhamentos, crises familiares e decisões administrativas, pode faltar espaço para que o próprio líder reconheça e cuide de suas vulnerabilidades. O desgaste se acumula em áreas distintas, no corpo, mente, fé e vínculos. Com o tempo, isso afeta não só a saúde pessoal, mas também o ambiente comunitário.

Essa percepção levou a pastora, missionária e psicóloga Magali Leoto, fundadora do ministério Fortalecendo a Família, a dedicar-se ao cuidado intencional com pastores, missionários e suas famílias. Com seu esposo Sérgio Leoto, ela atua há mais de 40 anos no aconselhamento de líderes cristãos, tendo como base a missão Sepal (Servindo aos Pastores e Líderes), presente no Brasil e conectada à rede global One Challenge International.

“Nosso foco mudou. Antes, organizávamos congressos com dois mil pastores. Agora, realizamos retiros espirituais com trinta líderes, voltados para a saúde integral”, conta. A mudança de estratégia reflete uma convicção crescente dentro do ministério, de que não é possível sustentar comunidades saudáveis quando seus líderes estão adoecidos, mesmo que não demonstrem.

Cuidado que começa em casa

A atenção à saúde mental dos pastores, segundo Magali, passa também pelo contexto familiar. “Somos uma só carne. Quando o pastor sofre, a família sofre também”, afirma. A missão Sepal hoje mantém uma coordenação específica voltada ao cuidado integral do missionário, com retiros anuais, atendimento psicológico e programas de suporte emocional.

Com formação em psicologia e atuação clínica, Magali destaca que um dos aspectos mais críticos enfrentados atualmente é o enfraquecimento dos relacionamentos interpessoais. “Essa tem sido uma das áreas mais afetadas. Os vínculos estão fragilizados, e isso reflete tanto nas famílias quanto nas igrejas”, disse. Segundo ela, é preciso reconhecer que o sofrimento emocional também faz parte da vida espiritual e que não basta espiritualizar tudo.

Essa visão desafia uma cultura que, durante anos, minimizou ou ignorou o sofrimento psíquico dos que exercem liderança. “A gente viu que só mandar o irmão embora com uma oração e um versículo não basta mais. A sociedade está adoecendo. O ser humano está doente”, lamenta.

Entre realidade e fantasia

Magali também chama atenção para sinais de um desequilíbrio mais amplo na sociedade. Com olhar atento às mudanças culturais, ela observa o surgimento de fenômenos como os “terrians” (pessoas que se identificam como animais) e mães que disputam vaga no SUS para seus bebês de brinquedo, os chamados “reborns”. Para ela, esses comportamentos não são apenas excentricidades, mas indicativos de uma desconexão crescente com a realidade, em que faltam referências consistentes sobre identidade, limites e propósito.

Esse cenário complexo, segundo a missionária, exige que a igreja volte a ser um espaço de acolhimento, escuta e reconstrução, inclusive para seus próprios líderes. “A saúde mental não diz respeito apenas à mente. É o bem-estar integral da pessoa, em todas as áreas da vida”.

Retiros, vínculos e esperança

A resposta do ministério tem sido criar ambientes seguros, nos quais pastores e missionários possam parar, refletir e, sobretudo, serem cuidados. Os retiros promovidos pela Sepal, por exemplo, acontecem regularmente no Brasil e em outros países onde a organização atua. Em julho, haverá um encontro exclusivo para missionários. O objetivo é oferecer um tempo de restauração, fora das pressões cotidianas.

“Pastores precisam de um olhar integral sobre sua saúde”, afirma pastora e psicóloga
Sergio Leoto e Magali Leoto são missionários da SEPAL, que atualmente está alterando sua forma de atuação para aproximar-se mais ainda dos pastores – Foto: Acervo Pessoal

Magali também mantém projetos voltados à saúde mental de mulheres, especialmente esposas de pastores. “São muitas as que vivem sobrecarregadas, sentindo que não podem fraquejar. Mas elas também precisam ser vistas”, afirma.

Esse tipo de iniciativa busca oferecer caminhos práticos para algo que muitas vezes é apenas discursado nos púlpitos, do cuidado mútuo. “Sem palavra, o povo se corrompe”, lembra Magali, citando Provérbios 29.18. “Mas não é só a palavra falada, é a palavra vivida”.

O cuidado dos líderes espirituais não pode mais ser adiado, segundo Magali. O investimento na saúde integral dos pastores, e de suas famílias, não é luxo nem benefício, é necessidade vital para a continuidade de comunidades saudáveis. Em vez de discursos sobre força, talvez seja hora de criar espaços onde o cansaço possa ser reconhecido, onde os vínculos possam ser restaurados e onde o amor, mais do que um tema, seja prática.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *