No cenário atual, em que o trabalho remoto e as tecnologias digitais estão cada vez mais presentes, é comum que surjam novas questões trabalhistas relacionadas ao uso de dispositivos pessoais para atividades profissionais. Uma das dúvidas que tem sido recorrente é se o empregador pode obrigar o empregado a bater o ponto, ou seja, registrar sua jornada de trabalho, utilizando seu próprio celular particular. Mas, afinal, pode isso, chefe?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) exige que empresas com mais de 20 empregados adotem algum tipo de controle de jornada, seja manual, mecânico ou eletrônico (art. 74, § 2º da CLT). No entanto, a legislação não especifica o meio exato pelo qual esse controle deve ser realizado, deixando margem para as empresas adotarem sistemas digitais, como aplicativos de ponto, que facilitam o registro remoto.
Entretanto, essa liberdade do empregador de escolher a forma de controle não deve violar os direitos dos trabalhadores. O empregador não pode transferir os custos e responsabilidades do trabalho para o empregado, exigindo, por exemplo, que este utilize seu equipamento particular sem a devida compensação ou acordo.
Embora a CLT não trate especificamente sobre o uso de dispositivos pessoais, como o celular, para o controle de ponto, a prática deve ser vista à luz dos princípios trabalhistas. A jurisprudência e o entendimento predominante consideram que o empregador não pode exigir o uso de bens pessoais do empregado sem uma compensação. Isso inclui o celular particular.
O artigo 2º da CLT define que o empregador deve arcar com os riscos da atividade econômica, o que inclui fornecer as ferramentas necessárias para o trabalho. Exigir que o empregado use seu celular sem qualquer compensação financeira, sem acordo prévio ou sem fornecer outra alternativa, pode ser considerado uma transferência indevida dos custos da operação para o empregado, o que não é permitido.
Além dos aspectos financeiros, outro ponto que precisa ser levado em consideração é o direito à privacidade do empregado. O celular pessoal é um bem privado, e o empregador não pode exigir o uso deste para atividades laborais sem que isso tenha sido acordado de forma clara e sem comprometer a privacidade do trabalhador. Exigir o uso do celular particular pode implicar em um controle mais invasivo sobre a jornada de trabalho, incluindo fora do horário comercial, o que pode gerar uma série de conflitos, inclusive sobre a desconexão digital, que vem sendo amplamente discutida no Direito do Trabalho.
Não existe uma legislação específica que trate diretamente dessa questão, mas há decisões judiciais que tendem a proteger o trabalhador nesse sentido. Exigir o uso de um dispositivo pessoal sem contrapartida pode ser visto como uma violação dos direitos trabalhistas, cabendo ao empregador fornecer os meios necessários para o desempenho das funções.
Então, pode isso, chefe? Não, o empregador não pode obrigar o empregado a utilizar seu celular pessoal para bater ponto sem um acordo prévio e sem compensação. O ideal é que as empresas forneçam os equipamentos necessários ou estabeleçam uma política clara e justa que contemple o reembolso ou a compensação pelo uso de dispositivos pessoais. Caso o trabalhador se sinta pressionado a aceitar essa condição, ele pode buscar auxílio junto ao sindicato da categoria ou à Justiça do Trabalho para garantir seus direitos.