
Bombardeios e ameaças nucleares levam líderes religiosos e estudiosos a refletirem sobre profecias, discernimento e o papel da Igreja diante das guerras
Por Flávia Fernandes
Os ataques aéreos realizados por Israel contra alvos estratégicos no Irã, incluindo instalações ligadas ao desenvolvimento nuclear, trouxeram novamente à tona o antigo vínculo entre geopolítica no Oriente Médio e escatologia bíblica. Para muitos cristãos que acompanham esses eventos com um olhar profético, os conflitos atuais não são apenas desdobramentos políticos e militares, mas partes de um enredo previsto nas Escrituras Sagradas.
“Eu costumo falar sobre esse assunto citando a profecia de Jesus em Mateus 24, versos 32 a 34”, afirma o pastor, psicanalista e sociólogo Elmir Dell’Antonio. “Quando vocês virem a figueira florescer, saibam que o verão está próximo. A figueira representa Israel, e ela floresceu quando o Estado foi instituído oficialmente pela ONU em 14 de maio de 1948. Desde então, Israel se tornou um termômetro espiritual do mundo”.

Para Elmir, os desdobramentos recentes se encaixam nesse panorama. “O Irã é o maior inimigo declarado de Israel há décadas. Os líderes iranianos afirmam que é preciso ‘riscar Israel do mapa’. Quando Israel soube que, em poucas semanas, o Irã poderia ter ao menos nove armas nucleares, decidiu agir preventivamente para atrasar esse projeto”.
A leitura profética, no entanto, divide opiniões entre estudiosos e teólogos. O psicólogo Ageu Heringer Lisboa lembra que desde 1948, com a criação do Estado de Israel, discursos escatológicos se multiplicaram, muitas vezes de forma precipitada.
“Quantos falsos alarmes escatológicos já tivemos? A corrida armamentista e a guerra de informações se intensificaram e o risco de manipulação cresce junto. Hoje, com as mídias digitais, tudo vira argumento para induzir apoio incondicional a um lado e demonizar o outro. É preciso humildade. Não somos donos da verdade”.
Inimigo histórico
Segundo a tradição profética, o Irã, identificado na Bíblia como a antiga Pérsia, aparece no livro de Ezequiel (capítulos 38 e 39) como aliado de uma coalizão que se levantará contra Israel nos últimos dias. “Essas passagens falam de Gogue, da terra de Magogue, e da Pérsia como parte de uma grande coalizão do norte. Isso sempre chamou atenção dos estudiosos quando olham para os movimentos geopolíticos atuais”, explica Elmir.
Para ele, os ataques israelenses de agora estão entre as maiores investidas contra um inimigo histórico nos últimos tempos e não podem ser ignorados como sinais dos tempos. “A Bíblia é clara ao dizer que, nos últimos dias, Israel será cercada e ficará sem apoio das nações”.
Momento exige prudência e não sensacionalismo
Victor Vieira, pastor, teólogo e escritor, faz um contraponto. “Reduzir a guerra a fatores econômicos ou políticos é ingênuo, mas espiritualizá-la de maneira acrítica também é perigoso. Há quem use a fé para justificar o injustificável.” Ele critica o uso de narrativas religiosas para legitimar ações militares tanto do lado israelense quanto do iraniano.

“O Islã xiita do Irã convoca seus seguidores à jihad e ao fim de Israel com base em uma escatologia apocalíptica. Israel, por sua vez, recorre a textos bíblicos para justificar bombardeios. O mundo ocidental cristão, muitas vezes, entra nessa lógica, torcendo pela guerra como se isso fosse sinal da volta de Cristo”.
Ele alerta que esse tipo de postura distorce a essência do evangelho. “A espiritualização da guerra demoniza o outro, um ser humano feito à imagem de Deus. Quando achamos que Deus está automaticamente do nosso lado, matar vira um ato sagrado. Jesus chorou sobre Jerusalém, não celebrou sua destruição. Efésios 2 nos lembra que, em Cristo, judeus e gentios são reconciliados. A guerra não é motivo para comemoração”.
Vieira acrescenta que a leitura escatológica dos eventos atuais precisa ser feita com discernimento e responsabilidade pastoral. “A leitura de eventos atuais à luz das profecias é antiga e recorrente, chamamos isso de ‘exegese de jornal’.
O problema é quando se interpreta o noticiário sem considerar o caráter de Cristo e os princípios do Reino. Essa abordagem transforma a profecia em ferramenta ideológica: promove medo, justifica violência e fomenta divisões. O chamado escatológico do Novo Testamento não é para especular, mas para vigiar, arrepender-se, esperar e buscar reconciliação”.
A Bíblia é a maior autoridade sobre escatologia
Para Ageu Lisboa, a Igreja precisa resistir à tentação de se posicionar como autoridade incontestável em temas tão complexos. “Pastores, pregadores, jornalistas, todos devem reconhecer que sabem pouco sobre esse jogo geopolítico. Caso contrário, correm o risco de se tornarem cúmplices de injustiças”.
Ele cita Apocalipse 5 para lembrar o verdadeiro centro da fé cristã. “O Cordeiro venceu, não com espada, mas com o próprio sangue. O Reino de Deus não se impõe com tanques ou drones, mas pela cruz. Que o Senhor quebre o arco e a lança e transforme armas em arados”.
O Novo Testamento, especialmente em Mateus 24, também adverte que guerras e rumores de guerras seriam sinais do tempo, mas alerta contra conclusões apressadas. “Ninguém sabe o dia nem a hora”, disse Jesus. O que se espera dos cristãos é perseverança, oração e esperança.
“A fé não deve ser usada como ferramenta de poder ou instrumento de ódio, mas como força para amar e interceder por todos os que sofrem”, afirma Victor Vieira. “Hoje, civis israelenses, iranianos e palestinos estão pagando com a vida por conflitos que líderes justificam como sagrados”, complementa.
Diante de uma realidade marcada por polarizações, armamentos e discursos religiosos inflamados, permanece o chamado do evangelho: vigiar, interceder e manter os olhos fixos não nos conflitos, mas no Príncipe da Paz. A guerra em curso pode não ser a de Gogue e Magogue, como alerta Ageu, mas expõe outra batalha: a que ocorre no coração de cada cristão entre o desejo de vingança e o compromisso com o amor que perdoa.
Fonte: Portal Comunhão.com